sexta-feira, 16 de maio de 2008

Um sonho chamado Jerusalém




















Khaled dirige o Ibdaa, centro educativo e cultural localizado numa das entradas do Campo de Refugiados Dheisheh, bem ao lado das instalações da ONU que oferecem atendimento médico à comunidade. Khaled também dirige o carro que nos leva a Ramallah, capital política dos territórios palestinos. Vamos assistir a um show de dança folclórica em memória dos 60 anos da Nakba (“a catástrofe”), quando os palestinos tiveram de deixar parte de seu território por conta da criação do Estado de Israel. Até o tempo mudou: o sol que queimava a pele e ressaltava ainda mais os tons areia da “pedra de Jerusalém” deu lugar a nuvens e vento gelado. Não há perspectiva de chuva: é primavera no Oriente Médio, quase verão. E a umidade que não veio no inverno passado certamente não virá agora. As famílias do campo Dheisheh sabem disso: tem faltado água com freqüência.

Khaled, então, me explica: teoricamente, seria fácil chegar a Ramallah saindo de Belém. Praticamente uma linha reta. Porém, no meio do caminho há Jerusalém. E Jerusalém, sob o controle israelense, está fechada a muitos palestinos, àqueles que não tem permissão ou a chamada “ID azul”, que dá direito a um entra-e-sai da cidade. Em todas as vias de e para Jerusalém, existem check-points. Assim, para alcançar Ramallah, temos de dar uma volta, passar perto de Jericó, a nordeste, e então retornar.

— Conheço Roma, conheço Paris, conheço várias cidades no mundo. Mas se você me perguntar como é Jerusalém hoje, não sei responder. Há quinze anos não vou lá. Não tenho permissão.

Tem um tanto de revolta na voz de Khaled, mas o tom carrega muito mais na nostalgia e na tristeza. O dia hoje esteve, na verdade, carregado de nostalgia e tristeza. Às duas da tarde, no outro campo de refugiados palestinos em Belém, o Aida, foram lançados ao céu balões negros em quantidade equivalente ao número de dias desde a criação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948. Não havia revolta. Mas a nostalgia misturava-se com a tristeza nas músicas, nas danças, nos rostos das avós e nos suspiros dos jovens. Nos edifícios mais altos de Belém, foram projetadas fotos em PB sobre a sina do povo palestino. Bush, naquele momento, diante do parlamento israelense, falava em luta contra o terror. A possibilidade de que falte água, continue a faltar emprego, que mais terras sejam confiscadas e check-points sejam instalados causa terror nas gentes. Mas Bush não falava disso, acho eu.

Finalmente chegamos a Ramallah. Lembrei-me do poeta e escritor Mourid Barghouti em seu belo “Eu Vi Ramallah”, no qual relata seu retorno à terra que lhe pariu. Exílio é algo dolorido, dolorido. Ser privado da experiência de estar entre seu próprio povo dilacera qualquer coração. Ele diz: “Eu não vivo num lugar, vivo no tempo. Nos componentes de minha psique. Vivo numa sensibilidade só minha.”

Khaled sonha em voltar a ver Jerusalém, um dia.

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