segunda-feira, 19 de maio de 2008

Humanidade, essa grande desconhecida





Ibrahim me diz: eu tenho esperança. Eu acredito na revolução. Bebemos cerveja num bar em Beit Jala, área de maioria cristã na grande Belém. Ibrahim é muçulmano, teoricamente não deve ingerir álcool, mas vez ou outra não resiste, ainda mais quando está entre os estrangeiros do Ibdaa Center. Acredito, ele me diz, que, quando alguém como você vem até aqui, uma pequena mudança já está em curso. Você voltará a seu país e contará a seus amigos o que viu, o que sentiu. E isso já fará diferença.



Ibrahim vive no Dheisheh Camp (fotos acima). Não somos donos de nossas casas, ele conta. Afinal, o dinheiro para o aluguel, água (quando não falta) e luz vem das Nações Unidas. Porém, sua família tem uma terra de origem, um vilarejo, hoje ocupado por Israel. E nessa terra de origem, sua família tem direito a um quinhão de chão. Mas eles não podem voltar: tal quinhão já não lhes pertence mais.




Breve momento de digressão. João Cabral de Melo Neto pede para circular entre meus pensamentos. "Essa cova em que estás,/ com palmos medida,/ é a conta menor/ que tiraste em vida./ É de bom tamanho,/ nem largo nem fundo,/ é a parte que te cabe/ deste latifúndio./ Não é cova grande,/ é cova medida,/ é a terra que querias/ ver dividida."


Nos parecemos mais do que imaginamos, é o que penso.

E como fazer a revolução?





O jovem Aysar confessa: quando mais novo, admirava os jovens que, keffiyeh enrolado no rosto deixando apenas os olhos à mostra, armas na mão, enfrentavam os soldados israelenses. Certo dia, topou com um deles numa das labirínticas ruas do campo. Gritou de emoção. Levou um peteleco: não berre, criança, os soldados vão ouvir e descobrir onde estou. Em outro momento, ainda miúdo de tudo, perdeu-se numa das ruelas do Dheisheh. Um soldado israelense acolheu-o nos braços e lhe perguntou qual era sua família. Levou o garotinho para sua casa. Aysar diz: não é por isso que vou gostar dos israelenses. Momento de silêncio. Aysar acende o cigarro -- como a maioria dos homens daqui, fuma um atrás do outro -- e olha pela janela.


Ele só conheceu seu pai quando tinha uns cinco anos de idade. Quando nasceu, o pai, membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina, grupo político comunista, estava preso. "Quem é esse homem que vai dormir no seu quarto, mamãe?", perguntou na primeira noite em que viu o pai. Hoje, os conselhos paternos lhe parecem bem pertinentes: há outros caminhos para a revolução e para a paz.


Vários amigos de Aysar foram parar na prisão. Outros, assassinados. Ghassan, por exemplo, passou sete anos em diferentes presídios israelenses. Foi membro da FPLP e, além de agitador e líder, em sua acusação pesa o artigo "51A": ele tentou matar um soldado israelense. Admirado no campo, Ghassan já não acredita mais nos partidos políticos, hoje faria diferente, e partilha sua experiência -- e todos os seus aprendizados dos tempos da prisão -- com os jovens do Dheisheh.


Moyad é outro amigo de Aysar. Ele carrega uma bala instalada entre as vértebras, na região do coração. Durante a Segunda Intifada, jogava pedra nos israelenses. Um dia, foi a um dos check-points de Belém com os amigos. Atiraram pedras no jipe onde estavam três soldados. De repente, apareceu um quarto, arma em punho, e começaram os disparos. Moyad e um amigo foram atingidos. Meses depois, já recuperado, Moyad foi preso: alguém o denunciou aos israelenses.


Aysar diz que espiões palestinos são comuns. Em troca de garantias ou facilidades, eles mudam de lado e passam a dedar os conterrâneos. Aysar acende outro cigarro, conta a história de um professor que foi denunciado pelo próprio cunhado. Às vezes, esses "espiões" não têm escolha, ele fala, mas geralmente têm.


Que sabemos nós da humanidade quando não estamos conectados a nossa própria humanidade, perdidos em pensamentos mesquinhos e desejos superficiais e insaciáveis?
A alma sussurra a missão de cada um: semear, cultivar, colher ou distribuir. A todos nós, cabe partilhar. Semeanos na terra do outro? Cultivamos a semente alheia? Colhemos o fruto que não geramos? Distribuímos a colheita que encontramos? Partilhamos vida, a nossa, com o outro?
Perguntas que busco, com serenidade, curiosidade e espanto. Sim, amigos queridos usaram esse termo: "espanto". A capacidade de me espantar com o que há. O olhar da criança, do palhaço, do amante apaixonado.
No Caminho, com Maiakovski (pelo poeta Eduardo Alves da Costa):
Tu sabes,conheces melhor do que eua velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flordo nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Uma amiga se lembra da canção e partilha:
Drão
o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
nossa semeadura
RESSUSCITAR NO CHÃO!!!

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