segunda-feira, 9 de junho de 2008

Poema que ganhei de presente


O autor é o Ivan, bonitão e fofíssimo. A foto foi tirada em meu bota-fora.


A SAUDADE


Muda de pedras

vivo do desfeito

e do esvaído que colhem as minhas mãos




Nessa areia

muitas vezes movediça

grão trás grão

forma-se a argila agridoce do meu tempo



O que me demove é apenas o simples

ardor do impossível

já que sou eu mesma

resgatando minhas canções

de vísceras e epifanias

e é no vento que minha dança se inspira

pra arrastar até o esquecimento

as fronteiras da minha ciranda



Não tenho lugar

e nem posso:

onde brota a raiz primeira que a lágrima semeou?

meu ofício é extirpar ausências

em balaios abarrotados de séculos

que me veneram




Meu paradigma é a razão do Divino

não busca o que foi

mas o que poderia ter sido




E como imortal

o maior prazer que tenho

é servir de altarpara a rendição



(para Maria Fernanda, madrugada de 9 de junho de 2008)

sábado, 7 de junho de 2008

Minhas mãos e o mais imenso dos sentimentos


Cuidem bem das flores, Heba e Iman. Voltarei para ajudá-las a regar seu jardim.

Qussay, obrigada pela flor que plantou em mim. Ela é linda e vai seguir seu caminho ao som de "Send in the Clowns" -- você sabe a que me refiro.

A gente quer mudar o mundo



A turma da bola-bandeira-pra-frente: eu (com um rosto cada vez mais jovem, estou voltando a ser bebê...), Areej e Nidal.


Areej é inteligentíssima; tem 23 anos, super engajada, coordena projetos relacionados a mulheres, jovens e memória. Quer ser primeira ministra da Palestina.

O quieto e charmoso Nidal tem esperança. Palestino com orgulho.

E eu me autodenominei embaixadora brasileira para assuntos extraordinariamente humanos. Brasil no peito e os retalhos todos do meu mundo interno conectando o mundo externo. Sigo com a saia-síntese. Eu não a largo, ela não me larga, juntas vamos.



*



A turma da câmera na mão, um monte de idéias confusas na cabeça e o grande desejo de pintar esse mundo de novo, desta vez com mais ternura e mais honestidade, mais fé e mais respeito.

>> Mussa, palestino, Daniel, alemão, eu, e o escocês Steve.
>> Na outra foto, nós de novo e a alemã-fofa Kathy, minha irmã mais nova!


Obs.: Voltei pro Dheisheh Camp. Adoro esse lugar!!!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Natividade

Quando o olhei de perfil, imediatamente notei os cílios longos e escuros. Um homem de cílios longos. Embora no início dos seus 20 anos, é surpreendentemente maduro. Podia ser rapaz, um rapaz de cílios longos, mas jamais garoto, como muitos que ainda engatinham no aprendizado da apreensão do mundo e das pessoas.

Já sinto saudade desses cílios longos, que acariciam o mundo que os olhos enxergam. Mundo de opressão, mundo de ocupação, mundo de conflito, mundo de dilemas e problemas. Mas os cílios.
Esses cílios seus.

Observo os detalhes, os dentes que escapam da arcada, conferindo charme ao sorriso largo e sincero. Os ombros estreitos, os braços finos. Cigarro. Algum gel no cabelo liso e negro. Como os olhos, as sombrancelhas, os começos de barba. Ah, esses cílios longos, esse sorriso.

Estou no início de minha navegação. Ilha Desconhecida ainda ensaia suas despedidas da baía primeira, embora já em alto mar, trata-se apenas do começo. Coração muito elástico de desejos e sonhos, mas miudinho pelo início do parto de mim mesma. Sem expectativas quanto a, pois o tempo é curto e o movimento, necessário.

Mas a epifania.
O sorriso.
E os cílios longos.
Quebrando regras e muros, os dois.
Conexão imediata.

Meus olhos estavam distraídos, curiosos mas fugazes. Porém, foram os olhos de cílios longos que me acharam e fizeram cócegas no meu olhar a fim de chamar-lhe a atenção. E meus olhos curiosos, lacrimosos naquele dia por tantas sentimentalidades, ficaram encantados.

E aqui estou eu, uma década de vida na frente, mas tão presente nesses olhos de cílios lindos e longos que confortam, acariciam e me reconhecem como uma pessoa -- inteira, faceira e primeira.

Vou sentir saudade, Q.
Q de Querido.


(emprestado do outro blog, mas continua apropriado...)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Estrelas. Cristais. Flores que viram árvores.



Ainda não vi os cristais que dizem brotar nas árvores durante o inverno, mas creio ter ouvido estrelas.


Certo perdeste o senso, repete o amigo do amigo do amigo do poeta, alguém que não entende bem das coisas.
Dos cristais.
De garoa.
De epifanias.



Estrelas de Belém, estrelas de Hebron, estrelas dos profetas. Persistentes, sobreviventes. Como as flores nos jardins cercados por muros e arames e fuzis e rancores.



Últimos dias de fortes emoções.
Coração estrelado estraçalhado ainda apaixonado, não se sabe se correspondido em igual medida, mas quem precisa saber? Sentir, isso sim.


Coração estrelado humilhado pelo olhar arrogante e sarcástico dos assentados judeus que caminham, provocadores ostensivos, pelas ruelas do centro velho de Hebron. Choro por vocês, ó fanáticos cegos-surdos-escandalosos.


Coração estrelado indignado dançando e cantando sambinhas diante de estarrecidos soldadecos israelenses pretensos protetores da ordem e dos costumes ultra-ortodoxos dos fanáticos que vivem nos assentamentos.


Câmeras na mão, quantas flores brotando no coração. Dois fuzis apontados para mim. Mas o punho firme não deixou a imagem esmorecer. Registro. Intimidação. Brasil 1 X 0 Israel. Ufa, dessa vez escapei.


Ah, ora direis ouvir estrelas...
Porque os cristais das árvores invernais só são descobertos quando os sussurros da alma são ouvidos. Preciosidades, joinhas, epifanias.


Árvores começam broto, broto nasce semente.
Tenho muito chão e muita semente pela frente. Mas me emociono ao olhar para os jardins que venho encontrando, que venho deixando, que tenho ajudado a capinar. Quanto broto, meu Deus.


Ora, dirás, virão árvores cheias de cristais... Certo perdeste o senso, mulher!